O Milionário Apostador

Milionários Aleatórios.doc — Série documental sobre histórias de concentração de renda

Raphael Mota
3 min readNov 21, 2020
Demorei mais tempo do que eu gostaria para descobrir que esse objeto chama “Espeto de Papel”

Faltavam 2 minutos para às 18:00. O Milionário Apostador que tinha sua vida definida por números, refletia então sobre o número 2 para uma próxima aposta e ao mesmo tempo acompanhava o resultado de um sorteio que via na televisão da padaria da esquina. As bolinhas sorteadas pareciam ser os números da sua última fezinha. Pegou o comprovante do bolso para confirmar. Seria o ganhador?

Fazia tempo que não apostava para ganhar mas sim para manter o hábito. Os números eram tão relevantes para sua vida que insistiu (Sem sucesso) para seu único filho se chamar Um Dois Três de Oliveira Quatro. Sabia que tudo era resultado de uma conta matemática e eram elas que guiavam sua pacata vida.

O Milionário Apostador viva cansado. Das infinitas dificuldades do dia a dia. Das 7 caminhadas do quarto até o banheiro durante todas as noites. Sentia o peso da idade, 51 anos, que havia chegado. Somente não sentia a fatiga na hora de apostar. O momento de escolher o animal no jogo do bicho era especial. A escolha das raspadinhas semanais era essencial.

A felicidade se esse bilhete premiado era mesmo o ganhador, foi que seria com seu modelo tradicional de aposta. Costumava apostar uma seção fixa de valores e uma com números novos a cada vez.

O primeiro número teve origem na sua infância. O número 7 representava a idade que tinha quando seu avô o levou pela primeira vez para aprender a apostar. E até aquele momento, a não ganhar.

O número 25 não representava nada. Brincadeira, nunca resolvia sua vida de forma tão simples assim. Maria da Esperança Rodrigues. Sua querida mãe. Seu nome possuía 25 letras e por isso a homenagem para ela. Que apesar de nunca entender seu gosto por apostas, comprava umas raspadinhas para ele de vez em quando.

O restante 09,06,20 era a parte variável que sempre se alterava na aposta. Selecionava sempre os dia, mês e ano do presente momento do calendário quando iria apostar. Ou seja, 09–06–20 foi o dia em que realizou sua última aposta.

Desse forma, a aposta despretensiosa mais por hábito do que por gana de ganhar, o apresentaria a um mundo novo de conquistas, desejos e possibilidades. Sonhava acordado tanto com o acesso que poderia conseguir que ficou cego com tudo o que acontecia a sua volta por alguns minutos.

Decidiu se levantar da padaria, ainda sonhando acordado, ir ao caixa entregar o recibo e pagar fingindo atenção ao momento e sair para decidir seus próximos passos. Um de cada vez. Decidiu se auto parabenizar e agradecer sua lotérica preferida. Chegou o momento da glória. Pegou o caminho mais demorado para pensar em todas as possibilidades. Caminhou vagarosamente sabendo estar cada vez mais próximo do milhão.

Ao chegar na lotérica uma lágrima de emoção caía do seu olho. Encarava a fachada do local como uma porta a aberta para a mansão que seria sua nova vida. Decidiu então, segurar o premiado bilhete no bolso de sua jaqueta, de forma a relembrar todos os gastos com apostas que mantinham seu vício vivo até ali.

Porém naquele instante, o milionário apostador notou uma consistência diferente. Tanto na sua consciência quando na consistência do papel que seria seu bilhete premiado. Retirou do bolso de maneira veloz e para sua surpresa era o recibo da Padaria. R$07,25 do café + um salgado comprado no dia 09/06/20.

Inesperadamente, ele havia confundido os papéis por terem o mesmos números, na mesma curiosa ordem do gasto x o milionário prêmio. Entregou o bilhete premiado para a atendente do caixa da padaria que por instinto, na hora pegou o papel sem ver com atenção e fincou-o no espeto de recibos, um buraco no meio na seção de contas pagas do dia.

Assim que percebeu, o milionário apostador voltou correndo para a sua padaria de costume que já se encontrava fechada e no momento que o costumeiro caminhão de lixo da cidade se afastava com os recibos pagos da padaria mais o bilhete premiado danificado, além de afastar a realização do futuro desejado do milionário apostador.

Desse modo, o milionário apostador que confiava tanto nos números, permaneceu milionário pelos poucos minutos até que o ato de viver no automático interferisse e jogasse tudo no lixo. Literalmente.

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Raphael Mota

Apenas alguém que come melão com molhos estranhos e gosta de escrever. Contato em: raphaeduardomota@gmail.com