Fiscal de Pátio, O Flanelinha de Aviões

Guia das Profissões Esquecidas — Cargo N°4

Raphael Mota
4 min readFeb 7, 2021

Dia após dia, passageiro após passageiro, o movimento no aeroporto não diminui. O local de encontros e desencontros, partidas e chegadas, embarques e desembarques não para.

Para o fiscal de pátio, era um local de oportunidades. Perdido em seus pensamentos, buscava entender tudo o que sua rotina diária te fornecia.

O cargo de fiscal de pátio é de longe uma das funções menos luxuosas no aeroporto. Ele não pilota ou auxilia nos voos. Não controla por duas telas todo um sistema aéreo. Não orienta ou acalma os passageiros mais ansiosos. Nem mesmo permanece no raio X, julgando e procurando substâncias e materiais fora das regras acertadas pela sociedade.

O que realizava era como um super poder de parada no tempo. Ele simplesmente parava. Sim, parava. Por um breve momento, a cada voo que aterrissa, o modo no qual abana seus instrumentos de trabalho em forma de plaquinhas, em movimentos controlados e experientes pela prática, estaciona a aeronave que chega ao seu destino final.

Seria o trabalho do fiscal de pátio, o equivalente ao flanelinha de aviões? Como alguém que para ficar de olho no veículo de mais de 15 metros e ganha trocados do copiloto ?

Este flanelinha de aviões, pelo menos, não recebia trocados. Estava sempre num modo avião como no seu celular quando se desliga do mundo virtual. Nem reconhecimento ele recebe, esquecido no meio de tudo e todos. Até quando salvou o dia de maneira heroica, foi esquecido sem nenhum pesar.

Ninguém nunca perguntou seu nome ou conversaram com ele diretamente. Sua presença era apenas aceita com alguém que estava sempre ali. Talvez a sua própria função seja a causa deste esquecimento. Ou sua personalidade não chama uma atenção desnecessária.

Inclusive quando salvou o dia, não era para ele um dia especial. Era um dia qualquer, numa semana desinteressante, num mês sem destaque.

Naquele dia específico, um passageiro teve que pilotar um avião desgovernado. O que aconteceu e foi divulgado depois foi que quando o piloto foi ao banheiro, o copiloto passou mal alguns minutos depois e desmaiou em cima do manche. Nesse momento, o avião estava no piloto automático e a tripulação demorou para descobrir a situação. Ao vê-lo desacordado, chamaram o piloto que se precipitou e derrubou a maçaneta da porta do banheiro, permanecendo ileso mas preso naquele cubículo à 5 metros da cabine.

Após 20 minutos tentando acordar o copiloto e arrombar a porta do banheiro sem sucesso, os comissários de bordo, recém contratados e sem a experiência necessária e efetiva para este momento, questionaram os passageiros despreocupados até então, se havia entre eles alguém que sabia pilotar o avião em questão. Ou ao menos seguir as instruções do piloto preso no banheiro.

Não havia.

Mas uma criança gritou no fundo, que seu pai jogava um joguinho de avião que ela não podia brincar.

E foi assim que o passageiro dono de um simulador de avião, com 1000 horas de pilotagem em sua cadeira gamer sem sair do chão foi aclamado e obrigado a ser o responsável pela vida de todos na aeronave.

O passageiro do simulador seguiu as instruções que o piloto trancafiado passava, sobre o que teria que fazer no passo a passo da aterrisagem. E parecia estar dando conta (Apesar de não comentar, que no simulador não era conhecido por boas aterrisagens).

Neste dia, chovia e a visibilidade não era boa. O passageiro do simulador teria que aterrissar o avião no aeroporto com o modo difícil selecionado.

Em terra, a vida seguia normal, pois nenhum alerta geral foi acionado. O flanelinha de aviões seguia sua função cotidiana de abanar sua plaquinhas.

Enquanto isso o avião desgovernado se aproxima do aeroporto até que toca com relativo sucesso na pista molhada. Só que o avião não desacelera como deveria e nem onde ir estacionar.

O flanelinha de aviões que não teria um voo para abanar nos próximos 30 minutos, olhava para a chuva despreocupado. Até que enxerga uma aeronave se aproximar em sua direção de maneira estranha.
Com o agravante do depósito de combustível estocado diretamente atrás onde estava.

Naqueles segundos que se passaram em câmera lenta de filme, o fiscal de pátio soube o que teria que fazer e se desfez do seu instrumento de trabalho como um atleta de arremesso de peso nas olimpíadas. Quase como sua extensão do braço, ela vai em direção a cabine do avião.

Nesse momento a plaquinha de abanar bate no vidro da cabine, o que faz o passageiro do simulador frear no susto, impedindo o desastre de acontecer, antes de atingir o depósito de combustíveis.

Graças ao flanelinha.

Sem ninguém saber dessa parte específica, pois todos os louros da imprensa foram para o piloto de última hora e sua tripulação.

Mas ele não se importava. Na real, o flanelinha de aviões nem constava na folha de pagamentos oficialmente. A história verdadeira é que morava num barraco construído por ele ao lado do aeroporto. Alguns anos atrás, abriu um buraco na cerca que divide o hangar de aviões de uma mata e por lá entrava ilegalmente todos os dias para seguir sua paixão de abanar para aviões.

E assim, ele salvou o dia sem ninguém saber ou se importar.
Mas cá entre nós , sabemos de sua importância.

Dá próxima vez, deixa uns trocados com ele.
Ele merece.
Ele abana e nem ganha por isso.

Outros cargos já publicados do guia:

Cargo N°1: O Caçador da Capa Amarela
Cargo N°2: O Criador de Filas
Cargo N°3: Modo Aleatório

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Raphael Mota

Apenas alguém que come melão com molhos estranhos e gosta de escrever. Contato em: raphaeduardomota@gmail.com